SDI do TST firma entendimento de que folga semanal das mulheres que trabalham no comércio deve coincidir com o domingo quinzenalmente
Algumas turmas do TRT vinham adotando o entendimento de que às mulheres que trabalham no comércio devia ser aplicada a norma contida na Lei 10.101 que determina a coincidência da folga semanal com o domingo no período máximo de 3 semanas.
Mas agora em fevereiro de 2022 a Seção de Dissídios Individuais do TST firmou o entendimento de que a regra contida no art. 386 da CLT deve ser aplicada a todas as mulheres, inclusive aquelas que trabalham no ramo do comércio. Portanto, para todas as mulheres a folga semanal deve coincidir com o domingo no período máximo de 2 semanas, ou seja, elas não pode trabalhar 2 domingos seguidos. A SDI tem a função de uniformizar a jurisprudência das turmas do TST e provavelmente essa decisão irá nortear outras decisões sobre o assunto e firmar o entendimento do TST.
Em julgamento de dois recursos de revista decididos pelas turmas (processos 1606-46.2016.5.12.0001, entre o Sindicato dos Empregados no Comércio de Florianópolis e as Lojas Renner S. A.; e 619-11.2017.5.12.0054, entre o Sindicato dos Empregados no Comércio de São José e Região e as Lojas Riachuelo S. A.), foram interpostos embargos de divergência para a SDI-1, os quais foram decididos na mesma ocasião e da mesma forma. Por sua vez, a SDI-1 decidiu que as trabalhadoras têm direito ao repouso em domingo previsto em escala de revezamento quinzenal.
Segue uma das ementas:
“RECURSO DE EMBARGOS REGIDO PELAS LEIS 13.015/2014 E 13.467/2017. PROTEÇÃO AO MERCADO DE TRABALHO DA MULHER – ART. 7º, XX, DA CF/88. TRABALHO AOS DOMINGOS NAS ATIVIDADES DO COMÉRCIO EM GERAL. APLICAÇÃO DA ESCALA DE REVEZAMENTO QUINZENAL PREVISTA NO ART. 386 DA CLT. Cinge-se a controvérsia à aplicação da escala de revezamento que favoreça o descanso semanal com maior frequência aos domingos das mulheres que trabalham em atividade de comércio, dada a aparente antinomia que é suscitada entre o disposto no art. 386 da CLT e no art. 6º, parágrafo único, da Lei n. 10.101/2000, com redação dada pela Lei n. 11.603/2007. Aplica-se ao caso a ratio decidendi fixada pelo Tribunal Pleno do TST, na rejeição da arguição de inconstitucionalidade do art. 384 da CLT, com o posterior endosso do STF que, ao julgar o RE 658312, com repercussão geral, em sessão virtual concluída em 14/set/2021, firmou a seguinte tese: “O art. 384 da CLT, em relação ao período anterior à edição da Lei n. 13.467/2017, foi recepcionado pela Constituição Federal de 1988, aplicando-se a todas as mulheres trabalhadoras”. Antes, as premissas ressaltadas pelo Tribunal Pleno do TST, ao rejeitar a arguição de inconstitucionalidade do art. 384 da CLT, foram substancialmente as de que o “ônus da dupla missão, familiar e profissional, que despenha uma mulher trabalhadora” e “o peso maior da administração da casa e da educação dos filhos acaba recaindo sobre a mulher”. Com rigor, essas são as mesmas premissas que justificariam a aplicação da regra protetiva expressamente prevista no art. 386 da CLT, a qual permanece intacta após a denominada “Reforma Trabalhista” (Lei n. 13.467/2017). Em proveito da recepção pela ordem constitucional do art. 386 da CLT e de sua prevalência ante a regra mais abrangente do art. 6º da Lei n. 10.101/2000, põem-se em enlevo as seguintes premissas jurídicas que, com efeito, repercutem dados e valores culturais: a) o art. 7º, XX da Constituição prevê, entre os direitos fundamentais, a “proteção do mercado de trabalho da mulher, mediante incentivos específicos, nos termos da lei”, o que induz à relevância de preceitos de lei que viabilizem progressivamente o ingresso das mulheres no mundo institucional do trabalho, sem embargo do tempo maior que dedicam à reprodução, formação e sociabilização da força de trabalho (cabe redarguir, como argumento ad terrorem e em desalinho com dados estatísticos, a ilação de ser a proteção das condições de trabalho da mulher um fator de redução da sua empregabilidade); b) em respeito à tridimensionalidade da norma jurídica, e agora sob o prisma histórico-cultural, é tempo de o Direito inverter a lógica perversa de desconsiderar ou comprometer o tempo dedicado à reprodução (trabalho reprodutivo) da fonte de trabalho mediante a atribuição à mulher de trabalho produtivo em condição incompatível com a sua função biológica, econômica e social; c) o art. 386 da CLT revela um estágio evolutivo na concretização do art. 7º, XX da Constituição que não comporta retrocesso se a restrição que se busca, por meio da atividade jurisdicional e de lege ferenda, não atende à exigência de ser “medida compatível com a natureza desses direitos e exclusivamente com o objetivo de favorecer o bem-estar geral em uma sociedade democrática” (art. 4º do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais); d) a progressividade dos direitos humanos e fundamentais – prevista no art. 2º.1 do Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, no art. 26 da Convenção Americana de Direitos Humanos e, na espécie, no caput do art. 7º da Constituição – reveste-se de caráter normativo e se submete ao controle jurisdicional, consoante vem de decidir a Corte Interamericana de Direitos Humanos desde o caso Acevedo Buendía e outros vs Peru; e) o critério da especialidade, entre aqueles que servem à resolução de antinomias entre normas jurídicas, não é oponível à prevalência do art. 386 da CLT, em lugar do art. 6º da Lei n. 10.101/2000, dado que é aquele, e não este, o dispositivo que veicula a norma especial, vale dizer: da norma generalíssima contida na Lei n. 605/1949, raiz de todo o debate, destacam-se os destinatários da Lei n. 10.101/2000 (art. 6º), ou seja, todos os trabalhadores do comércio, e, dentre estes, destacam-se as mulheres trabalhadoras no comércio em geral – tuteladas, com maior especificidade, pelo art. 386 da CLT. Do contrário, a proteção de outros grupos vulneráveis potencialmente ativados no comércio – como crianças, adolescentes, idosos, pessoas com deficiência ou povos originários – estaria inviabilizada ante a predominância da regra consagrada, para todos, e todos indistintamente, na Lei n. 10.101/2000. Recurso de embargos conhecido e provido.” (TST, SDI-1. E-ED-RR – 1606-46.2016.5.12.0001. Rel.: Min. Augusto César Leite De Carvalho. Publ.: 11/02/2022.)