Recomendação OIT n°193
Sobre a Promoção de Cooperativas

Observação: essa recomendação não constou na consolidação feita pelo Decreto 10.088, de 2019

A Conferência Geral da Organização Internacional do Trabalho,
Reunida em Genebra, em 3 de junho de 2002, em sua 90ª Reunião, por convocação do Conselho de Administração da Secretaria Internacional do Trabalho;
Ciente da importância das cooperativas na criação de emprego, mobilização de recursos, geração de investimentos, e de sua contribuição para a economia;
Reconhecendo que as cooperativas, em suas várias formas, promovem a mais plena participação no desenvolvimento econômico e social de todos os povos;
Reconhecendo que a globalização criou novas e diferentes exigências, problemas, desafios e oportunidades para as cooperativas, e que se impõem modalidades mais sólidas de solidariedade humana em âmbitos nacional e internacional, para facilitar uma distribuição mais eqüitativa dos benefícios da globalização;
Considerando a Declaração da OIT sobre os Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho, adotada pela Conferência Internacional do Trabalho em sua 86ª Reunião (1998);
Considerando direitos e princípios contidos em convenções e recomendações internacionais, particularmente a Convenção sobre Trabalho Forçado, de 1930; a Convenção sobre Liberdade Sindical e Proteção do Direito de Sindicalização, de 1948; a Convenção sobre Direito de Sindicalização e de Negociação Coletiva, de 1949; a Convenção sobre Igualdade de Remuneração, de 1951; a Convenção sobre Normas Mínimas de Seguridade Social, de 1952; a Convenção sobre Abolição do Trabalho Forçado, de 1957; a Convenção sobre Discriminação no Emprego e na Ocupação, de 1958; a Convenção sobre Políticas de Emprego, de 1964; a Convenção sobre Idade Mínima, de 1973; a Convenção e a Recomendação sobre Organizações de Trabalhadores Rurais, de 1975; a Convenção e a Recomendação sobre Desenvolvimento de Recursos Humanos, de 1975; a Recomendação sobre Políticas de Emprego (Disposições Suplementares), de 1984; a Recomendação sobre Criação de Emprego em Pequenas e Médias Empresas, de 1998, e a Convenção sobre as Piores Formas de Trabalho Infantil, de 1999;
Considerando o princípio contido na Declaração de Filadélfia de que “trabalho não é mercadoria”;
Considerando que, em toda parte, a realização de trabalho decente para o trabalhador é objetivo capital da Organização Internacional do Trabalho;
Tendo-se decidido pela adoção de proposições relativas à promoção de cooperativas, o que constitui a quarta questão da ordem do dia da Reunião e
Tendo determinado que essas proposições assumissem a forma de recomendação,
adota, nesta data de vinte de junho do ano de dois mil e dois, a seguinte recomendação que pode ser citada como a Recomendação sobre Promoção de Cooperativas, de 2002.

I. ALCANCE, DEFINIÇÃO E OBJETIVOS

1. É fato reconhecido que as cooperativas operam em todos os setores da economia. Esta Recomendação aplica-se a todos os tipos e formas de cooperativas.

2. Para os efeitos desta Recomendação, o termo “cooperativa” significa associação autônoma de pessoas que se unem voluntariamente para atender a suas necessidades e aspirações comuns, econômicas, sociais e culturais, por meio de empreendimento de propriedade comum e de gestão democrática.

3. A promoção e o fortalecimento da identidade das cooperativas deveriam ser incentivados com base:
(a) nos princípios cooperativos de auto-ajuda, espírito de responsabilidade, democracia, igualdade, eqüidade e solidariedade, bem como nos princípios éticos de honestidade, transparência, responsabilidade social e interesse por outros;
(b) nos princípios cooperativos conforme desenvolvidos pelo movimento cooperativo internacional e aqui transcritos em Anexo a esta Recomendação. Estes princípios são: associação voluntária e acessível; controle democrático pelo associado; participação econômica do associado; autonomia e independência; educação, formação e informação; cooperação entre cooperativas e interesse pela comunidade.

4. Medidas deveriam ser tomadas para promover o potencial de cooperativas em todos os países, independentemente de seu grau de desenvolvimento, para ajudá-las e a seus associados a:
(a) criar e desenvolver atividades geradoras de renda e emprego decente e sustentável;
(b) desenvolver capacidades de recursos humanos e conhecimento dos valores, vantagens e benefícios do movimento cooperativo por meio de educação e formação;
(c) desenvolver seu potencial comercial, inclusive suas capacidades empresariais e gerenciais;
(d) fortalecer sua competitividade como também lhes propiciar acesso a mercados e instituições financeiras;
(e) aumentar poupanças e investimentos;
(f) melhorar o bem-estar social e econômico, levando em consideração a necessidade de eliminar todas as formas de discriminação;
(g) contribuir para um desenvolvimento humano sustentável e
(h) criar e expandir um setor específico, viável e dinâmico da economia que inclua cooperativas e atenda às necessidades econômicas e sociais da comunidade.

5. A adoção de medidas especiais deveria ser incentivada para capacitar as cooperativas a atenderem, como empresas e organizações inspiradas na solidariedade, às necessidades de seus membros e da sociedade, inclusive às necessidades de grupos desfavorecidos, com vista à sua inclusão social.

II. ESTRUTURA POLÍTICAS E PAPEL DOS GOVERNOS

6. Uma sociedade equilibrada requer a existência de fortes setores públicos e privados, mas também de forte setor social cooperativo, mutualista e de outros setores sociais e não governamentais. É nesse contexto que os governos deveriam ofecerer uma política de apoio e uma estrutura legal compatível com a natureza e função das cooperativas e, inspirados nos valores e princípios cooperativos, enunciados no Parágrafo 3ª, deveriam:
(a) criar uma estrutura institucional com o objetivo de facilitar o registro de cooperativas de modo tão rápido, simples, acessível e eficiente quanto possível;
(b) promover políticas para facilitar a criação, nas cooperativas, de reservas apropriadas, das quais pelo menos parte pudesse ser indivisível, e de fundos de solidariedade;
(c) adotar medidas para a supervisão de cooperativas, de modo apropriado a sua natureza e funções, que respeitassem sua autonomia, fossem conformes à lei e à prática nacionais e não menos favoráveis que as medidas aplicáveis a outras formas de empresa e organização social;
(d) facilitar a associação de cooperativas a estruturas cooperativas que atendessem às necessidades dos cooperados e
(e) incentivar a criação de cooperativas como empresas autônomas e de autogestão, especialmente em áreas em que as cooperativas tivessem importante papel a desempenhar ou serviços a prestar que, de outro modo, não estariam disponíveis.

7.
(1) A promoção de cooperativas inspiradas nos valores e princípios enunciados no Parágrafo 3º deve ser considerada um dos pilares do desenvolvimento econômico e social tanto em âmbito nacional como internacional.
(2) As cooperativas deveriam ser tratadas de conformidade com a lei e a prática nacionais e em condições não menos favoráveis que as concedidas a outras formas de empresa e de organização social. Os governos, quando fosse o caso, deveriam adotar medidas de apoio a atividades de cooperativas que apresentassem resultados específicos de ordem política pública e social, como promoção de emprego ou desenvolvimento de atividades que beneficiem grupos ou regiões desfavorecidas. Essas medidas poderiam incluir, entre outras e na medida do possível, benefícios fiscais, empréstimos, subsídios, acesso a programas de obras públicas e disposições especiais de licitação.
(3) Especial atenção deveria ser dada a maior participação de mulheres no movimento cooperativo, em todos os níveis, particularmente de gerenciamento e liderança.

8.
(1) As políticas nacionais deveriam sobretudo:
(a) promover as normas fundamentais da OIT sobre trabalho e sua Declaração sobre Princípios e Direitos Fundamentais no Trabalho para todos os trabalhadores em cooperativas, sem qualquer distinção;
(b) assegurar que não se instituam cooperativas, ou sejam usadas, como artifícios para escapar a obrigações trabalhistas ou para mascarar relações de emprego, e combater falsas cooperativas que violam direitos trabalhistas, garantindo a aplicação da legislação trabalhista em todas as empresas;
(c) promover a igualdade de gênero nas cooperativas e em suas atividades;
(d) promover medidas que assegurem a observância das melhores práticas de trabalho nas cooperativas, inclusive acesso a informações relevantes;
(e) desenvolver habilidades técnicas e profissionais, capacidades empresariais e gerenciais, conhecimento do potencial de negócio e habilidades de política econômica e social de associados, trabalhadores e gerentes, e melhorar seu acesso a tecnologias de informação e de comunicação;
(f) promover educação e formação nos princípios e práticas cooperativas, em todos os níveis apropriados dos sistemas nacionais de educação e formação, e na sociedade em geral;
(g) promover a adoção de medidas de segurança e saúde no local de trabalho;
(h) oferecer formação e outras formas de assistência para melhorar o nível de produtividade e de competitividade das cooperativas e a qualidade de seus produtos e serviços;
(i) facilitar o acesso das cooperativas ao crédito;
(j) facilitar o acesso das cooperativas a mercados;
(k) promover a divulgação de informações sobre cooperativas e
(l) procurar melhorar as estatísticas nacionais sobre cooperativas com vista à formulação e implementação de políticas de desenvolvimento.
(2) Essas políticas deveriam:
(a) descentralizar para níveis regionais e locais, quando conveniente, a formulação e implementação de políticas e regulamentos atinentes a cooperativas;
(b) definir as obrigações legais de cooperativas em áreas tais como registro, auditorias financeiras e sociais e obtenção de alvarás e
(c) promover a melhor prática de controle corporativo nas cooperativas.

9. Os governos deveriam promover o importante papel das cooperativas na transformação de atividades de sobrevivência freqüentemente marginais (às vezes chamadas de “economia informal”) em trabalho legalmente protegido e plenamente integrado no contexto da vida econômica.

III. IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS PARA A PROMOÇÃO DE COOPERATIVAS

10.
(1) Os estados-membros deveriam adotar legislação e regulamentos específicos sobre cooperativas, que se inspirassem nos valores e princípios cooperativos enunciados no Parágrafo 3º, e, quando necessário, rever essa legislação e esses regulamentos.
(2) Os governos deveriam consultar organizações cooperativas, assim como organizações de empregadores e de trabalhadores interessadas, na formulação e revisão de legislação, políticas e regulamentos aplicáveis a cooperativas.

11.
(1) Os governos deveriam facilitar o acesso de cooperativas a serviços de apoio para fortalecê-las e fortalecer sua viabilidade comercial e sua capacidade de gerar emprego e renda.
(2) Esses serviços, quando possível, deveriam incluir:
(a) programas de desenvolvimento de recursos humanos;
(b) pesquisa e serviços de consultoria gerencial;
(c) acesso a financiamento e a investimentos;
(d) serviços de contabilidade e de auditoria;
(e) serviços de informação gerencial;
(f) serviços de informação e de relações públicas;
(g) serviços de consultoria sobre tecnologia e inovação;
(h) serviços de assessoria jurídica e fiscal;
(i) serviços de apoio à comercialização e
(j) outros serviços de apoio, quando fosse o caso.
(3) Os governos deveriam facilitar a criação desses serviços de apoio. As cooperativas e suas organizações deveriam ser incentivadas a participar da organização e gerenciamento desses serviços e, quando conveniente e viável, financiá-los.
(4) Os governos deveriam reconhecer o papel das cooperativas e de suas organizações, criando instrumentos adequados com vista à criação e ao fortalecimento de cooperativas em âmbito nacional e local.

12. Os governos deveriam, quando conviesse, tomar medidas para facilitar o acesso das cooperativas a financiamento e crédito para investimentos. Essas medidas deveriam sobretudo:
(a) conceder empréstimos e outras facilidades financeiras a serem oferecidas;
(b) simplificar procedimentos administrativos, melhorar o nível dos ativos cooperativos e reduzir o custo de operações de empréstimo;
(c) facilitar um sistema autônomo de financiamento de cooperativas, inclusive cooperativas de poupança e crédito, bancárias e de seguro e
(d) incluir disposições especiais para grupos desfavorecidos.

13. Para a promoção do movimento cooperativo, os governos deveriam incentivar condições que favorecessem o desenvolvimento de relações técnicas, comerciais e financeiras entre todas as formas de cooperativas, com o intuito de facilitar o intercâmbio de experiência e a partilha de riscos e benefícios.

IV. PAPEL DE ORGANIZAÇÕES DE EMPREGADORES E DE TRABALHADORES E DE ORGANIZAÇÕES COOPERATIVAS E RELAÇÕES ENTRE ELAS

14. As organizações de empregadores e de trabalhadores, cientes da importância das cooperativas para alcançar objetivos de desenvolvimento sustentável, deveriam buscar, juntamente com organizações cooperativas, meios e maneiras de promoção cooperativa.

15. As organizações de empregadores deveriam, quando conviesse, considerar a ampliação de sua abrangência para acolher cooperativas desejosas de se associarem e lhes oferecer serviços adequados de apoio nos mesmos termos e condições dispensados a outros membros.

16. As organizações de trabalhadores deveriam ser incentivadas a:
(a) assessorar e ajudar trabalhadores em cooperativas para se filiarem a organizações de trabalhadores;
(b) ajudar seus associados a criar cooperativas, inclusive com o objetivo de facilitar o acesso a bens e serviços básicos;
(c) participar de comitês e grupos de trabalho, em níveis local, nacional e internacional, que se ocupem de questões econômicas e sociais com impacto nas cooperativas;
(d) ajudar e participar na constituição de novas cooperativas, com vista à criação ou manutenção de emprego, inclusive nos casos de fechamentos previstos de empresas;
(e) ajudar e participar em programas para cooperativas, com vista à melhoria de sua produtividade;
(f) promover a igualdade de oportunidade nas cooperativas;
(g) promover o exercício dos direitos de trabalhadores sócios de cooperativas e
(h) empreender outras atividades para a promoção de cooperativas, inclusive de educação e formação.

17. Cooperativas e organizações que as representam deveriam ser incentivadas a:
(a) estabelecer intenso relacionamento com organizações de empregadores e de trabalhadores e órgãos governamentais e não governamentais interessados, com vista à formação de clima favorável à criação de cooperativas;
(b) gerir seus próprios serviços de apoio e contribuir para seu financiamento;
(c) oferecer serviços comerciais e financeiros a cooperativas filiadas;
(d) investir no desenvolvimento de recursos humanos de seus membros, trabalhadores e dirigentes, e promovê-lo;
(e) incentivar a criação de organizações cooperativas nacionais e internacionais e a associação a seus quadros sociais;
(f) representar o movimento cooperativo nacional em nível internacional e

g) empreender outras atividades para a promoção de cooperativas.

V. COOPERAÇÃO INTERNACIONAL

18. A cooperação internacional deveria ser facilitada por meio de:
(a) intercâmbio de informações sobre políticas e programas comprovadamente eficientes para a criação de emprego e geração de renda para cooperados;
(b) incentivo e promoção de relações entre órgãos e instituições nacionais e internacionais empenhadas no desenvolvimento de cooperativas para permitir:
(i) o intercâmbio de pessoal e de idéias, de materiais de educação e formação, de metodologias e materiais de referência;
(ii) a compilação e utilização de material de pesquisa e de outros dados sobre cooperativas e seu desenvolvimento;
(iii) a criação de alianças e de parcerias internacionais entre cooperativas;
(iv) a promoção e proteção dos valores e princípios cooperativos;
(v) o estabelecimento de relações comerciais entre cooperativas;
(c) acesso de cooperativas a dados nacionais e internacionais, como informações de mercado, legislação, métodos e técnicas de formação, padrões de tecnologia e de produto;
(d) criação, onde permitido e possível, em consulta com cooperativas e com organizações de empregadores e de trabalhadores, de diretrizes e legislação comuns, regionais e internacionais, de apoio a cooperativas.

VI. DISPOSIÇÃO FINAL

19. A presente Recomendação revê e substitui a Recomendação sobre Cooperativas (Países em Desenvolvimento), de 1966.